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ANÁLISE DA MÚSICA: DE QUEM É A CULPA? - MARÍLIA MENDONÇA/CRISTIANO ARAÚJO
Por: Djane Assunção | Escrito em Mai de 2017/ Atualizado em Ago de 2019
*Esta análise também está na forma de vídeo postado no youtube | http://bit.ly/2YPenxF
De quem é a culpa? é a sétima faixa do segundo álbum ao vivo da
cantora e compositora goiana Marília Mendonça. O álbum se chama Realidade - ao
vivo em Manaus e foi lançado no ano de 2017.
A composição foi escrita bem antes do seu lançamento e é de
autoria da Marília Mendonça em parceria com Juliano Tchula. Foi primeiramente
gravada pelo também cantor e compositor goiano Cristiano Araújo, que não pode
lançar oficialmente a música porque faleceu em um acidente automobilístico
no ano de 2015.
Conhecida como a “rainha da sofrência”, Marília Mendonça ficou famosa por ampliar a visibilidade e espaço para as mulheres no universo do sertanejo universitário, ritmo que mescla o sertanejo tradicional, ou caipira, com batidas mais próximas de ritmos como o brega, o reggae e a influência da erotização que marca uma linha da geração contemporânea do funk brasileiro. [1]
As letras da Marília Mendonça costumam retratar situações comuns do cotidiano, como traição, problemas conjugais, amor não correspondido, paixões novas e antigas, dentre outras temáticas passionais. Na maioria das músicas a cantora destaca a figura feminina como independente, empoderada e que se desprendeu do conservadorismo e do patriarcado para viver a sua vida como bem entender.
Para um universo musical machista e homofóbico como o do sertanejo,
as composições e postura de Marília Mendonça vieram para mostrar que as
mulheres “recatadas e do lar” não são mais a grande referência feminina.
Observação - Caso você pense que estou exagerando quando afirmo que o universo sertanejo costuma ser machista e homofóbico, deixo aqui, dois de muitos exemplos que eu poderia citar da velha e da nova geração do sertanejo que fundamentam meu argumento.
2 - Bruto rústico e sistemático - João Carreiro e Capataz
Ok, fiz um resumo sobre o trabalho da Marília Mendonça e agora vamos para a análise da letra De quem é a culpa?
De maneira geral, eu diria que a letra está trazendo uma reflexão acerca de uma concepção de relação amorosa que está atormentando emocionalmente uma pessoa. O sofrimento é retratado de uma forma exagerada, trazendo perspectivas que se assemelham a uma postura do niilismo existencial. Em muitos momentos a protagonista disserta como se a vida não possuísse sentido, propósito ou valor emocional.
Inicialmente, explicito que em 2018, um ano após a minha primeira versão desta análise, a Marília Mendonça publicou em seu perfil oficial no twitter uma breve explicação sobre o sentido da letra.

Ok, fiz um resumo sobre o trabalho da Marília Mendonça e agora vamos para a análise da letra De quem é a culpa?
De maneira geral, eu diria que a letra está trazendo uma reflexão acerca de uma concepção de relação amorosa que está atormentando emocionalmente uma pessoa. O sofrimento é retratado de uma forma exagerada, trazendo perspectivas que se assemelham a uma postura do niilismo existencial. Em muitos momentos a protagonista disserta como se a vida não possuísse sentido, propósito ou valor emocional.
Inicialmente, explicito que em 2018, um ano após a minha primeira versão desta análise, a Marília Mendonça publicou em seu perfil oficial no twitter uma breve explicação sobre o sentido da letra.

Exagerado
sim. Sou mais você que eu. Sobrevivo de olhares e alguns abraços que me deu
Logo
de início, fica evidente o tormento emocional que a protagonista está
enfrentando e a sua manifestação de descontextualização identitária (sou mais
você que eu).
Podemos
inferir que ela se sente presa a um sentimento de admiração por alguém
que não retribui esse anseio na mesma intensidade. Possivelmente, ela deseja
ser notada de maneira mais afirmativa, com demonstrações de afeto que vão além
de sorrisos e alguns abraços.
Bom,
se pensarmos que nossas vontades e sonhos são razões que nos motivam a viver, o
que acontece quando trabalhamos e nos dedicamos arduamente a algo, mas não conseguimos
atingir a realização do que tanto almejamos? A resposta é a Frustração!
Se
refletirmos de acordo com o filósofo alemão Arthur Schopenhauer, a essência da
vida poderia ser encontrada na dor, isto é, naqueles momentos de perda ou
insegurança emocional. Para
Schopenhauer “criamos inconscientemente alguns desejos que tentamos
satisfazê-los para tornar nossa vida mais alegre e anestesiar a dor, porém ao
satisfazê-los não atingimos essa felicidade, mas sim um prazer instantâneo, uma
ausência momentânea do estado de dor, que logo retroage”. [2]
E
o que vai ser de mim? E meu assunto que não muda. Minha cabeça não ajuda,
loucura, tortura
Nesse
trecho, entendo que a personagem está inteiramente presa a uma paixão que ela
não pode simplesmente ignorar. Todavia, a ausência de reciprocidade, ou mesmo,
a sua incapacidade de esquecer a pessoa que ela deseja ter por perto, está torturando
sua consciência. Quando ela diz “e meu assunto que não muda”, imagine as
indiretas nas redes sociais, os textos nos diários secretos, os diálogos matinais com os amigos confidentes...
Trazendo novamente para a ótica de Schopenhauer, podemos dizer que o difícil não é buscar sentido para a vida e sim vê-la passar enquanto nossa presença se faz esquecida. Estamos sempre à procura de felicidade plena, mas essa felicidade
que buscamos jamais poderá ser alcançada. Assim como a tristeza, ela é fruto do
momento em que cada indivíduo se encontra. Tornar esses momentos felizes e
frequentes é estar em harmonia com o “feliz” que tanto se busca.
Caso
a felicidade fosse algo que pudéssemos alcançar e depois manter em uma
continuidade eterna, seria como abrir a porta que divide o tédio da loucura. Mas
e a tristeza? Não a buscamos como fazemos com a felicidade, contudo, ela está
sempre presente no nosso cotidiano e em muitas vezes com muita frequência. Isso
acontece porque no caminho em busca de saciar nossas vontades, estão às
decepções de não conseguir e é aí que entram em cena os momentos de
frustração. Como os seres humanos estão sempre em busca de algo que os traga a aspirada
felicidade, são constantemente visitados pela tristeza.
E
que se dane a minha postura. Se eu mudei você não viu. Eu só queria ter você
por perto, mas você sumiu, é tipo um vício que não tem mais cura
As
atitudes da personagem estão sendo tomadas de maneira impensada, pois notadamente ela mudou seus hábitos e está abdicando do seu próprio jeito de ser
para se enquadrar no contexto de vida da pessoa que admira.
Compreendo que tal comportamento demonstra minha tese poética de que o amor é uma excentricidade entorpecente que vicia os nossos corações e uma overdose dela pode nos destruir. Porém, um viciado nunca esquece a necessidade.
E
agora de quem é a culpa? A culpa é sua por ter esse sorriso. Ou a culpa é minha
por me apaixonar por ele? Só isso
Aqui fica claro uma coisa: a protagonista não consegue se referir de forma negativa a seu interlocutor. Digo isso pelo fato de que mesmo magoada, ela não sente rancor. Veja que ela o culpa, mas por ser atraente para ela (a culpa é sua por ter esse sorriso). O sentimento dela é tão forte que nem mesmo consegue criticá-lo. Pelo contrário, se culpa por ter sido humana, por ter se permitido apaixonar-se.
Isso nos ajuda a conceber a figura de alguém insegura e que neste momento precisa de estabilidade emocional, o que fica óbvio quando ela diz “eu só queria ter você por perto”, parte citada no trecho anterior.
Isso nos ajuda a conceber a figura de alguém insegura e que neste momento precisa de estabilidade emocional, o que fica óbvio quando ela diz “eu só queria ter você por perto”, parte citada no trecho anterior.
Não
finja que eu não estou falando com você. Eu tô parado no meio da rua. Eu tô
entrando no meio dos carros. Sem você a vida não continua
Nesse trecho, as atitudes da protagonista extrapolam o romantismo e avançam ao plano da obsessão. O que até então parecia algo inerente a natureza humana, aqui atinge um nível de risco comportamental, evidente na fala “eu tô parado no meio da rua. Eu tô entrando no meio dos carros”. O cenário físico proposto, a ação da personagem e o tempo verbal usado em sua fala (estou falando), pressupõe que ela se encontra em diálogo direto com a pessoa que “canonizou”.
Não
finja que eu não estou falando com você. Ninguém entende o que estou passando.
Quem é você que eu não conheço mais
Nesse
trecho, a personagem, traz à tona o modelo comportamental das gerações atuais.
Hoje as pessoas se apegam muito fácil umas às outras, no entanto, também
desapegam de maneira ainda mais rápida. As pessoas estão tratando o amor como
algo descartável, se apaixonam pelo ideal que criam de alguém, mas esquecem que
o ser humano tem uma essência própria, mutável e inconstante.
Dessa forma, como diria o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, há uma procura por
afetividade, entretanto, as pessoas não estão conseguindo manter relações
duradouras, seja por medo ou insegurança. São criados laços frágeis, como um
vaso de cristal que na primeira queda é destruído e sem chances de
reconstrução.
Trazendo
diretamente para a letra da música, seria algo como afirmar que “as relações
terminam tão rápido quanto começam, as pessoas pensam terminar com um problema
cortando seus vínculos, mas o que fazem mesmo é criar problemas em cima de
problemas”. [3]
Me
apaixonei pelo que eu inventei de você
A protagonista se apaixonou pela ilusória concepção de amor que encontrou na pessoa que ela manifesta monomania, mas não necessariamente por ela! Ficou confuso? Pois bem, quem nos explica isso é Platão e o seu “mundo das ideias”. Para o filósofo grego, o amor é um sentimento livre de paixões, pois, estas seriam impuras e corromperiam o ser. É daí que vem o termo “amor platônico”, onde um ser se interessa mais pela virtude do outro do que pela sua própria condição física e material. “O amor platônico é entendido como um amor à distância, que não se aproxima, não toca, não envolve, é feito de fantasias e de idealização, onde o objeto do amor é o ser perfeito, detentor de todas as boas qualidades e sem defeitos". [4]
Trazendo para o contexto da análise, a personagem se apaixonou pela
perfeição que criou do amor, esse que por sua vez, só advinha do seu ser, ou
seja, uma relação unilateral alimentada pela carência e pela busca de estabilidade. Quando se deparou com a rejeição, o choque de realidade, sua
frustração a consumiu e a levou a uma condição de insensatez.
Certo
Djane, mas e aí? De quem é a culpa? 💁
Como
citar esse artigo: SILVA, J. D. A. ANÁLISE DA MÚSICA: DE QUEM É
A CULPA? - MARÍLIA MENDONÇA/CRISTIANO ARAÚJO. Abstracionando Pensamentos. João
Pessoa, 2017. Disponível em: http://bit.ly/MaRíliA Acesso em: (dia), de (mês). (ano).
Referências:
[1] ANTUNES, E. De caipira a universitário: a história de sucesso da
música sertaneja. São Paulo: Matrix, 2012.
6 Comments
Muito pertinente sua análise! Gostei da maneira com a qual explica o "ser apaixonado" buscando dentro da filosofia, buscando dizer que "não é tão novo assim" esse tipo de atitude. Muito bom trabalho!
ResponderExcluirObrigado Amicar. Embora muitos vejam a letra de maneira banalizada, eu gosto de tentar ver além. Hoje banalizaram o amor, a paixão, mas eu ainda vejo como sentimentos profundos e bem complexos. Grande abraço!
ExcluirSensacional sua análise. Entrei no Google procurando saber se essa letra de música tinha uma história, mas vc me surpreendeu!
ResponderExcluirSó na parte "a culpa é sua por ter esse sorriso, ou a culpa é minha por se apaixonar por ele" eu vejo de uma forma diferente. Claro que no contexto da musica pode ser exatamente o que vc falou. Mas vejo mais como uma explicação pela pessoa ter se apaixonado. Que foi exatamente isso que chamou a atenção da pessoa apaixonada.
Olá leitor. Ótimo a sua contribuição, depois vou rever a análise. Fico feliz que tenha gostado Obrigado por contribuir :D
ExcluirEstá de parabéns. Já tinha ouvido várias vezes essa música q realmente é linda. E não tinha analisado dessa forma. Agora ja percebo de outra maneira.
ResponderExcluirAmei essa analise, me vi muito nela. Até me assustei kkkkkk . Obrigada!
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